Em 2015, pesquisadores da Universidade Federal da Bahia identificaram a primeira transmissão causada pelo Zika vírus no Brasil. A epidemia foi curta, mas os danos produzidos atravessam os anos. Agatha dos Santos, de 5 anos, foi recusada em quatro colégios antes que sua mãe, Karolayne dos Santos, conseguisse matriculá-la. Ela é uma das famílias acompanhadas por um trabalho desenvolvido pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), que alia educação e saúde. Uma das ações é a oferta da primeira pós-graduação em Educação Especial e Inovação Tecnológica do Estado do Rio, em parceria com a Fundação Cecierj, vinculada da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação, que está com inscrições abertas até o dia 28 de março.

 “Como uma escola, seja particular ou pública, não está preparada para receber um aluno com deficiência? A Agatha não é a única. Esse período foi muito complicado. Bateu um alívio quando a quinta escola aceitou a minha filha. O colégio fechou e, atualmente, ela estuda em uma escola da rede municipal de ensino, que está aparelhada para receber crianças com deficiência”, comenta Karolaye, que é moradora de Belford Roxo.

Com a chegada à escola das crianças com deficiência múltipla, em consequência do Zika vírus, é preciso levar mais conhecimento sobre os processos de ensino e aprendizagem de estudantes com deficiência para os profissionais da Educação. O curso de pós-graduação será ofertado na modalidade semipresencial e é voltado para professores da educação básica e profissionais que atuam em setores de apoio à inclusão e acessibilidade na educação superior do Rio de Janeiro. 

“Todos devem ser integrados e envolvidos no processo educacional e, por isso, a iniciativa da Fundação Cecierj e da UFRRJ é de extrema relevância ao trazer a escolarização de alunos com necessidades educacionais especiais para um curso de especialização. São duas instituições públicas, conceituadas em seus trabalhos, que unem esforços para levar uma formação continuada aos profissionais da educação, que discutirá a inclusão e acessibilidade e o desenvolvimento de recursos de inovação tecnológica e pedagógica”, comentou o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação, Dr. Serginho.

As inscrições foram prorrogadas até o dia 28 de março e podem ser feitas pelo site https://sigaa.ufrrj.br/sigaa/public/processo_seletivo/lista.jsf . O curso, que é totalmente gratuito, é voltado aos profissionais da educação que desejam buscar mais conhecimentos sobre os processos de ensino e aprendizagem de estudantes com deficiência, principalmente com deficiência intelectual, múltipla e a síndrome congênita do zika vírus. Além disso, a iniciativa vai oferecer estratégias curriculares acessíveis e recursos tecnológicos e pedagógicos a serem empregados na escolarização do público da Educação Especial.

“A iniciativa se insere em uma construção de uma política sólida de formação continuada em Educação Especial no Estado do Rio de Janeiro, consolidando uma parceria entre educação superior e educação básica, além de incrementar a formação dos profissionais em uma perspectiva inclusiva, contribuindo para o desenvolvimento profissional, a prática pedagógica e tecnológica”, destaca o presidente da Fundação Cecierj, Rogerio Pires.

A pesquisa

O Observatório de Educação Especial e Inclusão Educacional em parceria com o Fórum Permanente de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva da Baixada e Sul Fluminense, ambos vinculados à UFRRJ, se dedicam, desde 2009, a analisar a implementação das políticas de inclusão nas escolas da Baixada Fluminense e do Sul Fluminense. Em 2020, o grupo iniciou um projeto para entender o desenvolvimento educacional de crianças com síndrome congênita do zika vírus. O curso de especialização nasceu a partir dessas ações. 

O trabalho conta a participação de 50 pesquisadores no processo de análise da escolarização das crianças de diferentes instituições: Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca e o Instituto Fernandes Figueira; Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; Universidade do Estado do Rio de Janeiro; e Universidade do Estado de Santa Catarina. A pesquisa tem financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). 

“A pesquisa faz contribuição nos campos educativo e social com o objetivo de melhorar a qualidade de vida das crianças ao possibilitar de forma mais efetiva a sua participação nas atividades escolares e em casa por meio de recursos/estratégias de comunicação. O estudo contribui ainda com a elaboração de políticas públicas ao embasar programas focados na formação dos profissionais que atuam com crianças com deficiência múltipla”, explicou a coordenadora da especialização, professora Márcia Denise Pletsch

Inovação tecnológica

Uma equipe da PUC-Rio vem desenvolvendo um aplicativo digital, em fase de acabamento, para o desenvolvimento da comunicação em crianças com deficiência múltipla não oralizadas em decorrência do Zika vírus que, ao ser finalizado, poderá ser acessado em celulares e tabletes, como explica a professora Erica Campos, que integra a equipe de pesquisa Grupem da PUC-RJ: 

“A comunicação será trabalhada nos ambientes da família e da escola. Funcionará como um jogo, com atividades divididas em cinco categorias: brinquedo, alimentação, saúde e bem-estar e relações sociais. Serão três níveis de organização das atividades e os desafios aumentam de acordo com o avanço no jogo. O aplicativo conta, além de uma doutoranda para produção das atividades, com a participação de uma equipe para o desenvolvimento do design e interfaces e das famílias das crianças”, explicou.

O projeto também traz inovações metodológicas ao envolver, de forma colaborativa, professores, familiares das crianças e profissionais da saúde e assistência social que atuam com elas. Os resultados e produtos são validados com os próprios usuários com deficiência e suas famílias, como é o caso da Suzana dos Santos Marques, de 37 anos, que é mãe do, Samuel, de 5 anos

“Participar desse projeto está sendo muito bom. O Samuel já teve contato com a comunicação alternativa, mas não era pelo computador. A equipe da fisioterapia utilizava livros, que não chamavam tanta atenção dele. Saltei de alegria quando soube que um aplicativo estava sendo elaborado. A iniciativa vai ser importante não apenas para os familiares, mas também para os professores, cuidadores e rede de apoio. Isso vai ser muito importante”, destacou .