Você já teve uma infecção de garganta severa, ou qualquer outra infecção, de maneira que o médico prescreveu uma injeção de penicilina, popularmente conhecida como Benzetacil? Se já teve, certamente se lembra, porque essa injeção dói pra caramba…. Na hora H da injeção você deve ter pensado em quem inventou esse remédio tão dolorido, não é? Pois é, mas não basta lembrar apenas do Alexander Fleming, que descobriu a penicilina. As contribuições da bioquímica britânica, nascida no Cairo, capital do Egito, Dorothy Mary Crowfoot Hodgkin, mais conhecida como Dorothy Hodgkin, foram muito importantes para o uso da penicilina.

Dorothy, junto com seus estudantes de pós-graduação de Somerville Oxford, mesmauniversidade onde está sendo desenvolvida uma das vacinas contra o Covid-19,estudou a cristalografia da penicilina, ou seja, como os átomos estão organizados nos arranjos moleculares dos cristais de penicilina. Essa descoberta foi fundamental para viabilizar a produção em massa da penicilina durante a Segunda Guerra Mundial e tratar os soldados doentes.

Durante sua estadia em Oxford, Dorothy deu à luz a Luke, o primeiro de seus três filhos, sendo a primeira professora de Somerville a gozar de um tipo de licença maternidade. Vale lembrar que, nesta época, continuar a trabalhar após o casamento não era uma prática comum, e menos aindater professoras e/ou pesquisadoras grávidas pelo campus. Pelo visto Dorothy era mesmo uma mulher a frente de seu tempo. Suas contribuições foram importantes não somentepara a ciência como também para os direitos trabalhistas femininos.

O trabalho em Oxford com cristalografia, pesquisando os cristais de insulina, avançava e grandes progressos vinham sendo alcançados. Nesse período, Dorothy iniciou,em paralelo, um estudo junto a um grupo de cientistas para investigar a estrutura da vitamina B12, que já era conhecida por seus inúmeros benefícios à saúde humana. A estrutura da B12 foi resolvida em 1955, causando grande impacto na sociedade e colocando seu nome na disputa pelo máximo reconhecimento pela comunidade científica mundial, o prêmio Nobel. Apenas em 1964 Dorothy teve finalmente tal reconhecimento, sendo laureada com o Nobel de Química.

Mesmo na Inglaterra do pós-guerra, quando Dorothy recebeu o Nobel, as manchetes de jornal evidenciavam muito mais seu gênero, estado civil e maternal, deixando em segundo plano seu trabalho como química e cientista que justificavam um prêmio mais importante da ciência.

Quatro anos depois, 1969, após 35 anos de dedicação, Dorothy decifrou a estrutura cristalográfica da insulina.Desde então, ela passou a viajar pelo mundo dando palestras sobre a insulina e a sua importância na diabetes. Devido a um grau avançado de artrite reumatoide que deformou suas mãos e pés, ela fez uso de uma cadeira de rodas por muitos anos.

Depois de conhecer um pouquinho da Dorothy Hodgkin, sempre lembrarei dela quando falar de penicilina, B12, insulina e licença maternidade das cientistas. Lembrando que, no Brasil, há apenas alguns poucos anos, as cientistas em formação passaram a ter direito à licença maternidade. Viva Dorothy Hodgkin!