Há nove anos, o 20 de novembro é marcado oficialmente como o Dia da Consciência Negra. No entanto, a luta da população negra por direitos iguais e para ter sua história reconhecida existe há muitos séculos e é construída diariamente. Mediadora do Cederj na disciplina Alfabetização II no curso de Licenciatura em Pedagogia, oferecido pela Unirio, Fabíola Santos, nos leva a refletir sobre a celebração desse marco no calendário brasileiro e como a educação é a prova transformadora na vida de uma pessoa.

Embora compreenda como diária a nossa luta de denúncia e resistência às desigualdades em virtude do racismo em todos os âmbitos, o Dia da Consciência Negra leva-nos a problematizar o mito da democracia racial e isso é muito importante na construção da identidade de pessoas pretas. Penso que neste e, em outros dias, devemos nos remeter ao passado, à ancestralidade e saudá-los, nos percebendo potentes para contribuir com mudanças no curso da história, no meu caso, um compromisso duplo: enquanto cidadã e professora”, que continua:

“Celebrar a luta de um de nossos ancestrais de maior importância que atuou contra a escravidão no Brasil, destacando parte de nossa história sob o ponto de vista negro, é de enorme importância para conscientização do nosso povo, ao passo que contraria o que muitas crianças são ensinadas, de maneira romantizada, a respeito dos processos de “libertação” do negro escravizado no nosso país”, declara a professora.

Além de ser mediadora do Cederj desde janeiro de 2019, Fabíola também é coordenadora pedagógica da rede municipal de ensino em São Gonçalo e Itaboraí. Ela confessa que desde de criança sabia que seguiria a carreira de professora. “Tinha essa certeza por duas questões: menina da periferia, preta, filha de operário com empregada, tinha que terminar o Ensino Médio trabalhando; e eu amava estudar, ficava como ajudante de professora, auxiliava as minhas colegas. Quando entendi que poderia ter essa formação no Ensino Médio, fazendo o Curso Normal, tomo a decisão”, lembra a pedagoga, que teve a irmã de uma amiga como um ponto crucial nessa escolha.

Assim que terminou o Curso Normal, Fabíola começou a trabalhar e foi em sala de aula, usando seu poder de observação, que sentiu a necessidade de ampliar a sua formação acadêmica. “Comecei a perceber, mesmo numa escola particular, a heterogeneidade dentro de uma sala de aula. São muitas crianças com necessidades educacionais diversas. Nesse momento, percebo que preciso ampliar meus estudos para poder compreender isso, porque não dá para tratar todo mundo igual”, lembra a professora, que desistiu de cursar a graduação em Letras para ser pedagoga: “Eu percebi que a Pedagogia me daria a possibilidade de atender em vários espaços”.

A postura pedagógica de Fabíola Santos, baseada nas suas experiências pessoais que moldaram o seu olhar e conduziram sua construção acadêmica, pode ser lida como essencialmente antirracista. Isso porque, ser antirracista é ser antidiscriminatório e também inclusivo, o que pode ser percebido em sua carreira desde a experiência em escola particular.

A todo momento eu falo com os professores que a escola pública exige da gente algumas vivências, no sentido emocional, que não estamos acostumados, de estar fora da bolha. Estamos trabalhando com crianças pequenas, é falar que elas são preciosas, que elas podem conseguir o que querem, esse é um discurso muito constante meu”, diz a mediadora do Cederj.

Para sorte dos alunos do Cederj e da rede municipal, todos esses recursos aprendidos ao longo dos anos ajudaram Fabíola a pensar na melhor maneira de entrar em contato com o aluno durante este período de isolamento social.

Atualmente, durante a pandemia, vivo na prática experiências diferentes nos dois municípios, com relação às aulas remotas. Enquanto uma secretaria elaborou uma plataforma própria, a outra estimulou as escolas a criarem grupos no Facebook e WhatsApp para ter contato com os alunos e famílias e passar atividades. Como professor, a gente está se reinventando e nos dando oportunidade de criar mais empatia com essas famílias. Até porque, muitos desses profissionais também estão vivendo essa experiência em casa como pais de estudantes. Isso me deixa feliz, porque eu falava que era preciso estar mais próximo dos pais, não afastá-los. Eles estão entendendo que o aprendizado passa essencialmente pelas nossas mãos”, analisa Fabíola.

Mestrado

Enquanto a vivência antirracista foi desenvolvida na existência, a teoria começou a ser apreendida durante o mestrado na Unirio. A princípio, ao passar para a pós-graduação, a ideia era estudar a organização da escola em ciclos (quando não há sistema de reprovação), mas com o passar do tempo e o contato com autoras negras, ela começou a entender melhor o que significava a sua prática, os corpos que faziam parte da sua realidade educacional e a pesquisa, intitulada Processos De Ensino-Aprendizagem Com Crianças Que Ainda Não Leem Nem Escrevem Convencionalmente No Ano Final Do Ciclo De Alfabetização, acabou ganhando também um recorte racial.

Esse mergulho na literatura de intelectuais negras, inclusive, fez com que ela revisitasse suas práticas e ampliasse o olhar também para a aplicação da lei 10.639/03, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de “história e cultura afro-brasileira” dentro das disciplinas que já fazem parte das grades curriculares dos ensinos fundamental e médio.

Uma das coisas que me deixou incomodada com a pandemia foi não poder compartilhar com minhas colegas as leituras que fiz nem fazer a devolutiva da pesquisa para a escola, porque penso no sentido de transformação daquele ambiente e dos olhares sobre aquelas crianças. Precisamos repensar a estrutura de uma sociedade que só vem massacrando corpos negros, que são maioria nas escolas públicas. É urgente que haja uma transformação a partir de uma avaliação comprometida com o olhar para essa diferença, que não deve ser encarada como outra qualquer. Quantas vezes eu vi projetos pedagógicos colocando o racismo no mesmo saco do bullying? E eu falava que não é! Quantas vezes eu vi colegas perguntando quem falaria sobre a lei 10.639? Precisa mesmo de uma pessoa estudiosa de lei para que ela seja colocada em prática ou todo mundo tem que se engajar na descoberta da leitura e da prática que ela incita?”, finaliza.